Na contramão de um cansativo trabalho de mais de quatro anos do conselho gestor da APA Tamoios (Angra dos Reis, RJ), cujo zoneamento foi democraticamente discutido à exaustão com todos os segmentos interessados, a Secretaria Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, por meio de seu subsecretário Luiz Firmino e do diretor do Instituto Estadual do Ambiente, André Ilha, apresentaram recentemente a última versão do governo do estado para a Ilha Grande. Oposta às diretrizes tacitamente acordadas com a sociedade desde 2007 – princípios do baixo impacto e da sustentabilidade socioambiental da atividade turística para todos, usos coletivos dos espaços públicos, privilegiando os moradores locais e a distribuição de renda – a versão oficial do zoneamento chega a todos com forte viés privatista, ensejando a exclusão dos moradores por meio de um processo econômico concentrador. Como se não bastassem as praias há muito privatizadas, olhadas com complacência pelas autoridades e o claro desrespeito às diretrizes legais municipais vigentes, os agentes públicos acrescentaram mais 9 (nove) praias da Ilha Grande ao rol das privatizadas, nas quais poderão ser construídos complexos hoteleiros. Com o discutível argumento de que aquelas nove áreas apresentavam um grau de degradação ambiental que embasava e justificava a decisão do governo, esqueceram-se de que algumas dessas mesmas áreas tem sido objeto de ações judiciais relacionadas a crimes ambientais. Para saber mais a respeito dessa coincidência, basta consultar a mídia.
No longínquo junho de 2009, atropelando a plena atividade de elaboração do zoneamento da APA Tamoios, o governador Sérgio Cabral Filho publicou o decreto nº 41.921 liberando áreas para construção na Ilha Grande e continente inseridas nos limites da APA Tamoios. Denunciado a ato do governador como inconstitucional, encontra-se o mesmo no STF para julgamento, pela ADIN 4370. Na época especulou-se bastante quem seriam os beneficiários do decreto estadual; as notícias que correrem na mídia e nas redes sociais mencionavam amigos do governador.
As nove praias são: Araçatibinha, Ubatubinha, Tapera, Sítio Forte, Freguesia de Santana, Ponta da Raposinha, de Fora, Camiranga e Iguaçu.
Ao que tudo indica, a proposta do zoneamento agora apresentada não pretende revogar o decreto nº 41.921, mas aperfeiçoá-lo, trocando o papel que o embrulha.
Um dos efeitos colaterais desse desatino poderá ser o precedente aberto. Ou o butim mal dividido, cuja causa é o pueril critério de área degradada. Cabe a pergunta: como ficarão os de fora desse critério? Resposta: ações na justiça.
A inflexão na vida de um dos mais espetaculares e bem conservados espaços naturais do Brasil, considerada uma das sete maravilhas do Rio de Janeiro, corre o forte risco de se transformar em privilégio de poucos os quais, de quebra terão ainda um belo e conservado parque (de graça) nos fundos de casa, só para eles. Escândalo como esse, que vem sendo construídos há muito, poderão ficar impunes, se nada for feito para que tudo não acabe em mais uma pizza.