domingo, 20 de janeiro de 2013

Os crimes continuados do TAC da Ilha Grande


“-Gerencialmente mal conduzido, 16 meses após sua assinatura, o TAC caminha para o fracasso total. Indiferente aos insistentes apelos que os segmentos da sociedade, ambientalistas e moradores da Ilha Grande têm feito ao longo desse período, alguns agentes públicos tem-se mantido na mais absoluta indiferença e não oferecem nenhuma resposta”.
Relatório encaminhado pelo CODIG em maio de 2003 ao Ministério Público



autora da imagem: Pawla Kuczynskiego                                                                                                                                             
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
O desidratado verão que abriu o ano de 2000 foi marcado por intensa movimentação de um grupo de insatisfeitos moradores da Vila Abraão, porta de entrada da paradisíaca Ilha Grande, que logrou obter cinco mil e quinhentas assinaturas de apoio a um manifesto que encaminharam ao então governador Garotinho. A iniciativa nada tinha de inovadora. Tratava-se simplesmente de exigir solução para os conhecidos problemas de saneamento e ordenamento territorial anabolizados pelo abandono a que foi condenada a Ilha Grande pela tão necessária quanta desastrada desativação do seu complexo estadual penitenciário em 1994. Sem nenhum plano para o dia seguinte, o governo do estado sumiu do mapa no dia seguinte à implosão do presídio da Vila Dois Rios, deixando para trás um expressivo passivo socioambiental e um território escancarado à toda sorte de mazelas.
Passado um par de anos, o fechamento de um lixão irregular feito acontecer por pressão da sociedade, iluminou o fim do túnel. Em concorrida cerimônia na Vila Abraão, como que em homenagem ao dia do seu padroeiro São Sebastião, as autoridades públicas envolvidas assumiram um compromisso de resolver, no atacado, em um ano, os problemas da Ilha Grande. A ensolarada manhã do verão de 20/01/2002 foi testemunha da assinatura do Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta da Ilha Grande que obrigava os três entes federativos a cumprirem com o seu dever. Assinaram o TAC da Ilha Grande: Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, governo do Rio de Janeiro, sua secretaria do meio ambiente e dois de seus órgãos, incorporados posteriormente ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a prefeitura de Angra dos Reis. Quem os enquadraram foram o Ministério Público Federal e o Estadual, parceiros na defesa da lei.
Hoje, decorridos exatos 132 meses, ou 11 anos do compromisso assumido, o agora caudaloso verão de 2013, inebriado pelo espocar dos fogos da passagem de ano, engrena marcha-à-ré na roda da história e repete, com cruel exatidão, sem dó nem piedade tudo aquilo pelo qual aquele grupo de moradores se insurgiu há treze anos: acúmulo de lixo nas ruas, torneiras vazias, rios conduzindo esgoto, animais na rua, construções irregulares, ausência de diretrizes mínimas para o turismo e a completa escuridão.
Divididas entre os signatários, suas obrigações eram a de criar um comitê para gerenciar o cumprimento das atribuições, elaborar projetos de saneamento das áreas com concentração populacional (10 enseadas), fazer recuperar áreas degradadas pelos depósitos irregulares de lixo e promover a gestão desses resíduos, aí incluído o projeto de uma barcaça para remoção do lixo para o continente, a ser presenteada pela União, remover ou aproveitar os escombros do presídio, ordenar a ocupação dos imóveis do Estado que continuaram ocupados pelos funcionários  do desativado presídio, elaborar um Plano de Gestão Ambiental, promover estudo de capacidade de suporte a visitantes, disciplinar a realização de obras e construções, elaborar projeto de atratores artificiais para promover a melhoria do uso dos recursos pesqueiros e paisagísticos do entorno da Ilha Grande. O governo do estado entrou com R$ 112 mil e o Ministério do Meio Ambiente com R$ 1,5 milhão para a gestão dos resíduos sólidos e a barcaça para sua retirada da ilha.    
Passados onze longos anos, eis o melancólico balanço:
Salvo a honrosa exceção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que passa o pires para dar andamento às suas obrigações, longe de serem efetivamente cumpridas, nada vezes nada aconteceu. A inadimplência é completa, cravejada de promessas vãs, desculpas esfarrapadas, factoides e a indefectível erosão do erario.
Na esfera municipal, nada aconteceu, a não ser pequenas intervenções nos sistemas de esgotamento sanitário, muito mais como tapa-buraco na manutenção e pomposas notícias nos jornais locais de que a "verba do saneamento" iria sair em breve. E o lixo? continua a permanecer nas vias ou viajar para o continente em traineiras improvisadas que brindam o mar com sacos pretos. Os R$ 112 mil disponibilizados pelo Estado foram consumidos na aquisição de improdutivas carretas para transporte de lixo. E o projeto da barcaça? Em uma cidade com tradição naval, possuindo um sem números de estaleiros, o que será que impediu o município de desenvolver um projeto de uma barcaça que, como  exigido no TAC, deveria ter o "porte compatível com o Plano de Gestão de  Resíduos Sólidos"?
A mudança de governo estadual em 2007 quase nada ajudou, frustrando sobremaneira os que apostaram na nova administração. Os recursos obtidos junto ao Fundo  Estadual de Conservação Ambiental (FECAM) de R$ 4,8 milhões destinados ao saneamento da Ilha Grande viraram fumaça ou deram chabu, segundo prosaica explicação do próprio secretário do Ambiente Carlos Minc em 4/8/2011. E agora, com os canteiros das obras inexplicavelmente abandonados, com o que restou dos equipamentos e materiais largados no tempo, vem a nova promessa de mais treze milhões de reais, transformada em estribilho oficial de entrevistas.
Onde estão os atratores do Ibama?
Quanto aos estudos de capacidade de carga da Ilha Grande, o atual governo do estado contratou serviços que estão longe de deslanchar, inclusive por paralização do contrato e se fecha em copas ao ser indagado a respeito.
E o Ministério do Meio Ambiente, quando será procurado pelo município para conversar sobre o presente da barcaça e do cheque federal de um milhão e meio de reais?
Passaram-se onze anos do desembarque do ministro Sarney Filho na Ilha Grande. À exceção da paciente população, mudaram ministros, governadores, prefeitos, secretários. Mas o cenário de descaso permaneceu o mesmo.
Graças ao esmero das autoridades pela omissão, chegamos ao décimo primeiro aniversário do TAC da Ilha Grande e poucos ainda se lembram de sua existência. E muito menos da sua cláusula sexta que dispõe sobre o descumprimento de obrigações pelas partes signatárias que obriga ao pagamento de multa.
Somados os 4.018 dias passados desde a festiva assinatura do TAC da Ilha Grande, na Vila do Abraão, como fazer para executar exatos R$ 76,49 milhões de reais por descumprimento de título executivo extrajudicial, do qual a sociedade civil sempre esteve ausente? Como apurar eventuais atos de improbidade e transformar um acordo extrajudicial descumprido em processo judicial, com a responsabilização dos agentes públicos? O crime continuado do descumprimento das obrigações assumidas, vitais para a preservação de um ambiente saudável, vem inflingindo substanciais prejuízos para a Ilha Grande, para o seu socioambiente e para seus visitantes e moradores, tendo aumentado sobremaneira o grau de degradação que nela se observa. Mais uma aula de como assassinar um destino turístico.