“-Gerencialmente
mal conduzido, 16 meses após sua assinatura, o TAC caminha para o fracasso
total. Indiferente aos insistentes apelos que os segmentos da sociedade, ambientalistas
e moradores da Ilha Grande têm feito ao longo desse período, alguns agentes
públicos tem-se mantido na mais absoluta indiferença e não oferecem nenhuma
resposta”.
Relatório
encaminhado pelo CODIG em maio de 2003 ao Ministério Público
autora da imagem: Pawla Kuczynskiego
autora da imagem: Pawla Kuczynskiego
O
desidratado verão que abriu o ano de 2000 foi marcado por intensa movimentação
de um grupo de insatisfeitos moradores da Vila Abraão, porta de entrada da paradisíaca
Ilha Grande, que logrou obter cinco mil e quinhentas assinaturas de apoio a um
manifesto que encaminharam ao então governador Garotinho. A iniciativa nada
tinha de inovadora. Tratava-se simplesmente de exigir solução para os
conhecidos problemas de saneamento e ordenamento territorial anabolizados pelo
abandono a que foi condenada a Ilha Grande pela tão necessária quanta
desastrada desativação do seu complexo estadual penitenciário em 1994. Sem
nenhum plano para o dia seguinte, o governo do estado sumiu do mapa no dia
seguinte à implosão do presídio da Vila Dois Rios, deixando para trás um
expressivo passivo socioambiental e um território escancarado à toda sorte de
mazelas.
Passado
um par de anos, o fechamento de um lixão irregular feito acontecer por pressão
da sociedade, iluminou o fim do túnel. Em concorrida cerimônia na Vila Abraão, como
que em homenagem ao dia do seu padroeiro São Sebastião, as autoridades públicas
envolvidas assumiram um compromisso de resolver, no atacado, em um ano, os
problemas da Ilha Grande. A ensolarada manhã do verão de 20/01/2002 foi
testemunha da assinatura do Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta da Ilha
Grande que obrigava os três entes federativos a cumprirem com o seu dever. Assinaram
o TAC da Ilha Grande: Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, governo do Rio de
Janeiro, sua secretaria do meio ambiente e dois de seus órgãos, incorporados posteriormente
ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA), a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e a prefeitura de Angra dos Reis. Quem os enquadraram foram o
Ministério Público Federal e o Estadual, parceiros na defesa da lei.
Hoje,
decorridos exatos 132 meses, ou 11 anos do compromisso assumido, o agora caudaloso
verão de 2013, inebriado pelo espocar dos fogos da passagem de ano, engrena marcha-à-ré
na roda da história e repete, com cruel exatidão, sem dó nem piedade tudo
aquilo pelo qual aquele grupo de moradores se insurgiu há treze anos: acúmulo
de lixo nas ruas, torneiras vazias, rios conduzindo esgoto, animais na rua, construções
irregulares, ausência de diretrizes mínimas para o turismo e a completa escuridão.
Divididas
entre os signatários, suas obrigações eram a de criar um comitê para gerenciar
o cumprimento das atribuições, elaborar projetos de saneamento das áreas com
concentração populacional (10 enseadas), fazer recuperar áreas degradadas pelos
depósitos irregulares de lixo e promover a gestão desses resíduos, aí incluído
o projeto de uma barcaça para remoção do lixo para o continente, a ser
presenteada pela União, remover ou aproveitar os escombros do presídio, ordenar
a ocupação dos imóveis do Estado que continuaram ocupados pelos
funcionários do desativado presídio,
elaborar um Plano de Gestão Ambiental, promover estudo de capacidade de suporte
a visitantes, disciplinar a realização de obras e construções, elaborar projeto
de atratores artificiais para promover a melhoria do uso dos recursos
pesqueiros e paisagísticos do entorno da Ilha Grande. O governo do estado
entrou com R$ 112 mil e o Ministério do Meio Ambiente com R$ 1,5 milhão para a
gestão dos resíduos sólidos e a barcaça para sua retirada da ilha.
Passados
onze longos anos, eis o melancólico balanço:
Salvo
a honrosa exceção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que passa
o pires para dar andamento às suas obrigações, longe de serem efetivamente
cumpridas, nada vezes nada aconteceu. A inadimplência é completa, cravejada de
promessas vãs, desculpas esfarrapadas, factoides e a indefectível erosão do erario.
Na
esfera municipal, nada aconteceu, a não ser pequenas intervenções nos sistemas
de esgotamento sanitário, muito mais como tapa-buraco na manutenção e pomposas
notícias nos jornais locais de que a "verba do saneamento" iria sair
em breve. E o lixo? continua a permanecer nas vias ou viajar para o continente em
traineiras improvisadas que brindam o mar com sacos pretos. Os R$ 112 mil
disponibilizados pelo Estado foram consumidos na aquisição de improdutivas
carretas para transporte de lixo. E o projeto da barcaça? Em uma cidade com
tradição naval, possuindo um sem números de estaleiros, o que será que impediu
o município de desenvolver um projeto de uma barcaça que, como exigido no
TAC, deveria ter o "porte compatível com o Plano de Gestão de
Resíduos Sólidos"?
A
mudança de governo estadual em 2007 quase nada ajudou, frustrando sobremaneira
os que apostaram na nova administração. Os recursos obtidos junto ao
Fundo Estadual de Conservação Ambiental (FECAM) de R$ 4,8 milhões
destinados ao saneamento da Ilha Grande viraram fumaça ou deram chabu, segundo prosaica explicação do
próprio secretário do Ambiente Carlos Minc em 4/8/2011. E agora, com os
canteiros das obras inexplicavelmente abandonados, com o que restou dos
equipamentos e materiais largados no tempo, vem a nova promessa de mais treze
milhões de reais, transformada em estribilho oficial de entrevistas.
Onde
estão os atratores do Ibama?
Quanto
aos estudos de capacidade de carga da Ilha Grande, o atual governo do estado contratou
serviços que estão longe de deslanchar, inclusive por paralização do contrato e
se fecha em copas ao ser indagado a respeito.
E
o Ministério do Meio Ambiente, quando será procurado pelo município para
conversar sobre o presente da barcaça e do cheque federal de um milhão e meio
de reais?
Passaram-se
onze anos do desembarque do ministro Sarney Filho na Ilha Grande. À exceção da
paciente população, mudaram ministros, governadores, prefeitos, secretários. Mas
o cenário de descaso permaneceu o mesmo.
Graças ao
esmero das autoridades pela omissão, chegamos ao décimo primeiro aniversário do
TAC da Ilha Grande e poucos ainda se lembram de sua existência. E muito menos
da sua cláusula sexta que dispõe sobre o descumprimento de obrigações pelas
partes signatárias que obriga ao pagamento de multa.
Somados
os 4.018 dias passados desde a festiva assinatura do TAC da Ilha Grande, na
Vila do Abraão, como fazer para executar exatos R$ 76,49 milhões de reais por
descumprimento de título executivo extrajudicial, do qual a sociedade civil
sempre esteve ausente? Como apurar eventuais atos de improbidade e transformar
um acordo extrajudicial descumprido em processo judicial, com a responsabilização
dos agentes públicos? O crime continuado do descumprimento das obrigações
assumidas, vitais para a preservação de um ambiente saudável, vem inflingindo substanciais
prejuízos para a Ilha Grande, para o seu socioambiente e para seus visitantes e
moradores, tendo aumentado sobremaneira o grau de degradação que nela se
observa. Mais uma aula de como assassinar um destino turístico.
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