sábado, 21 de setembro de 2013

Plano de Manejo da APA Tamoios: a história contada pelos que se dizem vencedores


Sobre o Processo Administrativo (PA) E-07/301586/2008 que trata da Revisão do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Tamoios.

"Nós sobrevivemos ao pau-de-arara
Mas o pau-de-arara também sobreviveu".
de um torturado  sobrevivente

Após seis longos e tenebrosos invernos, período marcado por uma forte e inexplicável resistência do INEA em atender às legítimas demandas da cidadania organizada que se faz representar no conselho consultivo da APA Tamoios, foi finalmente publicado o tão esperado Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Tamoios – APA Tamoios. Para acessar o mapa do novo zoneamento, ver https://dl.dropboxusercontent.com/u/21773738/Zoneamento%20APATamoios_Dec%2044175-13_ANEXO%20II.jpg.
Dessa forma, o governador do estado Sérgio Cabral Filho, no vértice do poder estadual, apresentou ao distinto público, em 26/04/2013, o decreto nº 44.175, assinado na véspera, que “aprova o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Tamoios, estabelece seu zoneamento e dá outras providências.” Como sempre, indiferente à grandeza a que teria direito, se democrático fosse, aferra-se ao modelo da casa-grande, permite-se tudo que bem entender e impõe-se pelo uso de um poder imperial sobre – e contra - a sociedade, esmerando-se no espancamento do cidadão na proporção de cem contra um. E reina absoluto em um estado que prima pelo desrespeito à legalidade constitucional que aumenta exponencialmente no Rio de Janeiro. Aqui, a partir das manifestações de junho deste ano, vive-se um estado de exceção. Tudo a ver.
O Processo Administrativo aberto para registrar os passos da elaboração do Plano de Manejo, mesmo tendo sido aberto, por obrigação legal, driblou a lei e não atendeu os mínimos requisitos para ser considerado um documento histórico, digno de uma república. Omisso, parcial, tendencioso e desorganizado, no rastro dos vencedores, primou por esconder a verdade factual, na tentativa de construir uma história dita oficial. Atento a isso, um grupo formado pelas entidades a seguir nominadas compilou documentos formais produzidos ao longo da elaboração do Plano de Manejo da APA Tamoios e os encaminhou em representação ao INEA para que o Processo Administrativo (PA) nº E-07/301586/2008 os incorporasse, a bem da verdade factual. A representação pode ser acessada na biblioteca do CODIG, neste blog (Doc_solicit_inclusão_Palno_Manejo_PA_E07_301586_08.pdf).
Estas são as entidades: Associação Curupira de Guias e Condutores de Visitantes da Ilha Grande, Instituto Ambiental Costa Verde – IACV, Associação de Moradores da Enseada de Araçatiba, Jornal O Eco, Associação de Pousadas da Enseada do Bananal – APEB, Liga Cultural Afro-brasileira, Associação dos Meios de Hospedagem da Ilha Grande – AMHIG, Organização para Sustentabilidade da Ilha Grande – OSIG, Comitê de Defesa da Ilha Grande – CODIG Sindicato dos Petroleiros no Estado do Rio de Janeiro- Sindipetro-RJ e Grupo Ecológico de Voo da Ilha Grande – GEVIG.
Mas o pior ainda está por vir: mesmo sendo dono do seu tempo, assessorado por uma estrutura técnica de reconhecida competência, instalada na máquina do governo, o governador já informou que o decreto carece de precisão técnica e deverá ser corrigido. Alguns licenciamentos deverão esperar mais um pouco para serem liberados. Coisas da burocracia pública inconsequente. Fossem outros, já estariam todos no olho da rua.
O INEA deveria, o quanto antes, convocar a todos, prefeitura de Angra dos Reis e a população em geral, aí incluído o conselho da APA Tamoios para apresentar o decreto em tela, seguido de explicações didáticas sobre todos os seus detalhes e seus defeitos. Com isso, restaria evidente a pacificação dos entendimentos sobre o novo diploma, assim como o desejado incremento de eficiência dos processos de licenciamento ambiental que dele advirão, estes há muito dormindo nos escaninhos municipais. Essa seria a ocasião para, por exemplo, esclarecer algumas dúvidas pertinentes, dentre muitas delas:
  
1.     A Procuradoria Geral da República entendeu como inconstitucional o decreto nº 41.921, de 19/06/2009 (ADIN 4370), estando agora o assunto em julgamento no Supremo Tribunal Federal pelo fato daquele ter diminuído o grau de proteção aos espaços naturais por simples ato administrativo e não por lei. O INEA poderá demonstrar que isto não aconteceu com o atual decreto, mesmo que de forma pontual? O novo decreto pode agora ser considerado constitucional?
2.     No caso do novo decreto ter flexibilizado pontos do antigo decreto (20.172, de 01/07/1994), que tratamento será dado às eventuais ilegalidades identificadas e cometidas contra este último?
3.     Como o INEA combinará o decreto com a Lei de Diretrizes Territoriais da Ilha Grande (lei municipal nº 2.088, de 23/01/2009  no que tange, por exemplo, aos Art. 6º, 9º e 11º, que versam sobre a construção de atracadouros nas ilhas? O que irá afinal prevalecer?
4.     O que significa “ampliação fisicamente descontínua” indicada no § 2º do Art. 20?
5.     Como o INEA irá lidar com os casos descritos no Art. 10 que trata da regularização das construções realizadas em desacordo com a lei anterior? Que estrutura operacional será disponibilizada pelo INEA para levar adiante essa tarefa? Como agir no caso da impossibilidade de se assinar um Termo de Ajustamento de Conduta? O Conselho Consultivo da APA Tamoios será consultado?
6.     Em que condições haverá a exigência de apresentação de estudos da capacidade de suporte para implantação de projetos ou de equipamentos turísticos? Como o INEA irá regulamentar essa exigência, na medida em que será a própria raposa a tomar conta do galinheiro, ou o próprio empreendedor a contratar o estudo de capacidade de carga?
7.     Algumas das ZIET estão sendo propostas em áreas de antigas ZVS ou ZCVS (Ilhas da Jipóia, do Maia, do Aleijado e da Pimenta, por exemplo), onde a ampliação das construções não era permitido (caso da ZVS) ou era limitado a 50% da área construída (caso da ZCVS). O INEA pode assegurar a não existência de inconstitucionalidade no caso?
8.     O mesmo se aplica a ZIRT no lugar de ZVS (Saco do Tanguá, por exemplo).
9.     Que procedimentos o INEA irá adotar para resolver os casos mais evidentes de irregularidades, um deles o da Ponta da Raposinha, na Ilha Grande e outro na Ilha da Cavala?

domingo, 20 de janeiro de 2013

Os crimes continuados do TAC da Ilha Grande


“-Gerencialmente mal conduzido, 16 meses após sua assinatura, o TAC caminha para o fracasso total. Indiferente aos insistentes apelos que os segmentos da sociedade, ambientalistas e moradores da Ilha Grande têm feito ao longo desse período, alguns agentes públicos tem-se mantido na mais absoluta indiferença e não oferecem nenhuma resposta”.
Relatório encaminhado pelo CODIG em maio de 2003 ao Ministério Público



autora da imagem: Pawla Kuczynskiego                                                                                                                                             
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
O desidratado verão que abriu o ano de 2000 foi marcado por intensa movimentação de um grupo de insatisfeitos moradores da Vila Abraão, porta de entrada da paradisíaca Ilha Grande, que logrou obter cinco mil e quinhentas assinaturas de apoio a um manifesto que encaminharam ao então governador Garotinho. A iniciativa nada tinha de inovadora. Tratava-se simplesmente de exigir solução para os conhecidos problemas de saneamento e ordenamento territorial anabolizados pelo abandono a que foi condenada a Ilha Grande pela tão necessária quanta desastrada desativação do seu complexo estadual penitenciário em 1994. Sem nenhum plano para o dia seguinte, o governo do estado sumiu do mapa no dia seguinte à implosão do presídio da Vila Dois Rios, deixando para trás um expressivo passivo socioambiental e um território escancarado à toda sorte de mazelas.
Passado um par de anos, o fechamento de um lixão irregular feito acontecer por pressão da sociedade, iluminou o fim do túnel. Em concorrida cerimônia na Vila Abraão, como que em homenagem ao dia do seu padroeiro São Sebastião, as autoridades públicas envolvidas assumiram um compromisso de resolver, no atacado, em um ano, os problemas da Ilha Grande. A ensolarada manhã do verão de 20/01/2002 foi testemunha da assinatura do Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta da Ilha Grande que obrigava os três entes federativos a cumprirem com o seu dever. Assinaram o TAC da Ilha Grande: Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, governo do Rio de Janeiro, sua secretaria do meio ambiente e dois de seus órgãos, incorporados posteriormente ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a prefeitura de Angra dos Reis. Quem os enquadraram foram o Ministério Público Federal e o Estadual, parceiros na defesa da lei.
Hoje, decorridos exatos 132 meses, ou 11 anos do compromisso assumido, o agora caudaloso verão de 2013, inebriado pelo espocar dos fogos da passagem de ano, engrena marcha-à-ré na roda da história e repete, com cruel exatidão, sem dó nem piedade tudo aquilo pelo qual aquele grupo de moradores se insurgiu há treze anos: acúmulo de lixo nas ruas, torneiras vazias, rios conduzindo esgoto, animais na rua, construções irregulares, ausência de diretrizes mínimas para o turismo e a completa escuridão.
Divididas entre os signatários, suas obrigações eram a de criar um comitê para gerenciar o cumprimento das atribuições, elaborar projetos de saneamento das áreas com concentração populacional (10 enseadas), fazer recuperar áreas degradadas pelos depósitos irregulares de lixo e promover a gestão desses resíduos, aí incluído o projeto de uma barcaça para remoção do lixo para o continente, a ser presenteada pela União, remover ou aproveitar os escombros do presídio, ordenar a ocupação dos imóveis do Estado que continuaram ocupados pelos funcionários  do desativado presídio, elaborar um Plano de Gestão Ambiental, promover estudo de capacidade de suporte a visitantes, disciplinar a realização de obras e construções, elaborar projeto de atratores artificiais para promover a melhoria do uso dos recursos pesqueiros e paisagísticos do entorno da Ilha Grande. O governo do estado entrou com R$ 112 mil e o Ministério do Meio Ambiente com R$ 1,5 milhão para a gestão dos resíduos sólidos e a barcaça para sua retirada da ilha.    
Passados onze longos anos, eis o melancólico balanço:
Salvo a honrosa exceção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que passa o pires para dar andamento às suas obrigações, longe de serem efetivamente cumpridas, nada vezes nada aconteceu. A inadimplência é completa, cravejada de promessas vãs, desculpas esfarrapadas, factoides e a indefectível erosão do erario.
Na esfera municipal, nada aconteceu, a não ser pequenas intervenções nos sistemas de esgotamento sanitário, muito mais como tapa-buraco na manutenção e pomposas notícias nos jornais locais de que a "verba do saneamento" iria sair em breve. E o lixo? continua a permanecer nas vias ou viajar para o continente em traineiras improvisadas que brindam o mar com sacos pretos. Os R$ 112 mil disponibilizados pelo Estado foram consumidos na aquisição de improdutivas carretas para transporte de lixo. E o projeto da barcaça? Em uma cidade com tradição naval, possuindo um sem números de estaleiros, o que será que impediu o município de desenvolver um projeto de uma barcaça que, como  exigido no TAC, deveria ter o "porte compatível com o Plano de Gestão de  Resíduos Sólidos"?
A mudança de governo estadual em 2007 quase nada ajudou, frustrando sobremaneira os que apostaram na nova administração. Os recursos obtidos junto ao Fundo  Estadual de Conservação Ambiental (FECAM) de R$ 4,8 milhões destinados ao saneamento da Ilha Grande viraram fumaça ou deram chabu, segundo prosaica explicação do próprio secretário do Ambiente Carlos Minc em 4/8/2011. E agora, com os canteiros das obras inexplicavelmente abandonados, com o que restou dos equipamentos e materiais largados no tempo, vem a nova promessa de mais treze milhões de reais, transformada em estribilho oficial de entrevistas.
Onde estão os atratores do Ibama?
Quanto aos estudos de capacidade de carga da Ilha Grande, o atual governo do estado contratou serviços que estão longe de deslanchar, inclusive por paralização do contrato e se fecha em copas ao ser indagado a respeito.
E o Ministério do Meio Ambiente, quando será procurado pelo município para conversar sobre o presente da barcaça e do cheque federal de um milhão e meio de reais?
Passaram-se onze anos do desembarque do ministro Sarney Filho na Ilha Grande. À exceção da paciente população, mudaram ministros, governadores, prefeitos, secretários. Mas o cenário de descaso permaneceu o mesmo.
Graças ao esmero das autoridades pela omissão, chegamos ao décimo primeiro aniversário do TAC da Ilha Grande e poucos ainda se lembram de sua existência. E muito menos da sua cláusula sexta que dispõe sobre o descumprimento de obrigações pelas partes signatárias que obriga ao pagamento de multa.
Somados os 4.018 dias passados desde a festiva assinatura do TAC da Ilha Grande, na Vila do Abraão, como fazer para executar exatos R$ 76,49 milhões de reais por descumprimento de título executivo extrajudicial, do qual a sociedade civil sempre esteve ausente? Como apurar eventuais atos de improbidade e transformar um acordo extrajudicial descumprido em processo judicial, com a responsabilização dos agentes públicos? O crime continuado do descumprimento das obrigações assumidas, vitais para a preservação de um ambiente saudável, vem inflingindo substanciais prejuízos para a Ilha Grande, para o seu socioambiente e para seus visitantes e moradores, tendo aumentado sobremaneira o grau de degradação que nela se observa. Mais uma aula de como assassinar um destino turístico.