sábado, 28 de abril de 2012

Ainda sobre a luta a favor da APA Tamoios I

Em 19 de abril passado, mais uma desgastante reunião aconteceu, sem que houvesse sinais de que o zoneamento da APA Tamoios chegaria a bom termo. As seguintes entidades permaneceram contrárias à criação de ZITH e ZIRT na região, por entenderem que a proposta do INEA contribuirá sobremaneira para o aumento da privatização dos espaços naturais da Baía da Ilha Grande.
O texto abaixo - proibido de ser lido na reunião pelo chefe da unidade de conservação - reproduz a posição de oito entidades. A este documento juntaram-se mais dois, também proibidos de serem lidos, um da associação de Pousadas da Enseada do Bananal (APEB) e outro, um posicionamento técnico da pesquisadora professora Helena Catão, alertando para a inconveniência do passo proposto pelo INEA. Os dois textos serão disponibilizados a seguir.
Este é o texto encaminhado pelas oito entidades:


Conselho Consultivo da Área de Proteção Ambiental de Tamoios
Plano de Manejo e respectivo zoneamento
19 de abril de 2012

A demora na elaboração da revisão do Plano de Manejo da APA Tamoios, aí incluído o seu zoneamento, vem acarretando desnecessário desgaste das partes envolvidas, com potencial prejuízo para as relações entre a sociedade civil e o poder público e principalmente, colaborando para a degradação ambiental em razão da inexistência de um eficaz instrumento que possa nortear a fiscalização. A repentina mudança de atitude do INEA quanto aos marcos estratégicos produzidos, fez instalar-se o conflito, em razão da mudança de paradigma. Com um significado socioeconômico e ambiental equivocado, a proposta de se permitir a instalação de empreendimentos de médio e grande porte na Ilha Grande repete o erro de organização de espaço que já se provou falso, inútil e excludente em outras áreas da Baía da Ilha Grande.
Torna-se inapropriada a discussão sobre a inclusão de dezoito ZITH na Ilha Grande, seguida da intempestiva proposta da prefeitura de Angra dos Reis em transformar 19 ilhas da baía em ZITH ou ZIRT, no todo ou em parte. Ao mesmo tempo, não se constata nas propostas apresentadas razoável fundamentação e nem justificativa técnica pertinente, que não foram sequer apresentadas para discussão. A falta desse crucial ponto enseja a desqualificação da proposta.
É preocupante ver a ilha da Gipóia, por exemplo, ter seus costões - ainda bem conservados - e suas Áreas de Proteção Permanente transformados em ZITH. Parece-nos errôneo atribuir ao empreendedor a
elaboração do estudo de capacidade de carga de sua área de interesse para fins de obtenção de licença para empreender.
Recusamo-nos a aceitar um futuro a ser construído com base em premissas equivocadas contra as quais nos colocamos desde sempre. Estamos certos de que o caminho ora apontado pela autoridade será o motor da nossa exclusão, e a de muitos outros, do processo socioeconômico e ambiental local, em um cenário de grande disparidade de forças. É constrangedor ver um governo que venceu com um discurso de fortalecimento da coisa pública e apreço pelo socioambiente deixar de tomar decisões estratégicas voltadas para a gestão responsável e racional de bens naturais, com foco na planificação ecológica e na distribuição dos ganhos para o povo brasileiro. Tal postura deveria ser considerada como uma diretriz pétrea. Com o respeito devido, exigimos do poder público o cumprimento de suas obrigações constitucionais de zelar pelo melhor futuro das cidades e do cidadão. A tarefa democrática radical que se impõe é a de construir um modelo de turismo que tenha como base as comunidades locais no seu sentido mais amplo, relacionado ao desenvolvimento local, das e para pessoas, moradores e visitantes, à inclusão social, esta sim, no cerne do planejamento. O turismo que se deve buscar deve ter o cidadão como sujeito e não objeto do processo. A meta a ser atingida deve ser a qualidade de vida, a valorização do capital social – cultura, tradições, saberes, coesão e interação - e a inclusão de todos, com a horizontalidade de poder.
A inexistência de estudos efetivos da capacidade da região – ilhas em particular – em responder a impactos já seria suficiente para conter qualquer iniciativa de ocupação no curto e médio prazos. O governo deveria estudar o problema com a devida atenção. Negligenciar os deslizamentos de encostas, a queda de prédios, o vazamento de óleo nos campos de petróleo, a CSA e o Comperj é tão errado quanto querer dar razão técnica à liberação de áreas para construção. A prática do Estado deveria ser a de privilegiar as fases de planejamento e de projeto. Afinal, pensar a cidade e seus espaços é estabelecer metas e prioridades.
Os Conselheiros da APA Tamoios que assinam o presente documento reiteram manifestações anteriores e mantêm sua indisposição em aceitar a proposta do INEA sem que o assunto seja exaustivamente discutido, com vistas a dar segurança e legitimidade a uma decisão de natureza estratégica que irá impactar a vida de muitos de forma definitiva. Insistimos no respeito à ética e na contínua obediência às regras da cidadania.
Não desejamos assistir ao escândalo da vez, seja “Cartas Marcadas”, prisão de agentes públicos, deslizamentos de encostas, privatização de espaços públicos .
Reiteramos a não aceitação da proposta do INEA para a criação de zonas de interesse de ocupação hoteleira e de residencial turística. As proposições oferecidas à consideração do poder discricionário do INEA são as seguintes:
1. Manter o zoneamento da APA Tamoios de acordo com o aprovado pelo seu Conselho Gestor em janeiro de 2010;
2. Ratificar que a Ilha Grande não terá ZITH em seu território, principalmente em razão da proposta encontrar-se em dissonância com o modelo socioeconômico definido para a atividade turística;
3. Instituir espaço formal próprio para a discussão de um Plano Estratégico para a região que considere todas as variáveis em questão, com recursos financeiros e humanos alocados e gerenciamento assegurado;
4. Criar uma força-tarefa com a missão de equacionar as pendências judiciais existentes referentes ao uso e ocupação do solo, no âmbito da APA Tamoios visando o marco legal aplicável às condições de contorno local. Nesse sentido, promover, junto à prefeitura de Angra dos Reis, na forma do artigo 30 da Lei Municipal nº 2.088, a criação de grupo interdisciplinar com o objetivo de estudar caso a caso as irregularidades referentes a ocupação do território, na Ilha Grande;
5. Acelerar a realização dos estudos de capacidade de carga da Ilha Grande, com o acompanhamento de um grupo de trabalho formado por membros dos Conselhos do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG) e da APA Tamoios, dentre outros. Essa será a melhor forma de conhecer a real capacidade de suporte e subsidiar o processo decisório, adotando um prazo não inferior a cinco anos para colocar em prática os estudos realizados e, se for o caso, rever o zoneamento;
6. Dar curso aos trabalhos voltados para a recuperação de áreas de risco geológico da APA Tamoios, aí incluída a Ilha Grande;
7. Buscar alternativa legal a ser aplicada em eventuais impedimentos de direito, em nome do interesse coletivo, que regulamente o direito de construção ou o potencial construtivo permitido por lei, transferindo-o para outras áreas e fazendo jus às eventuais contrapartidas.

Assinam o presente, em ordem alfabética:

Associação Curupira de Guias e Condutores de Visitantes – CURUPIRA
Associação de Moradores da Enseada de Araçatiba
Associação dos Meios de Hospedagem da Ilha Grande - AMHIG
Comitê de Defesa da Ilha Grande – CODIG
Instituto Ambiental Costa Verde – IACV
Jornal O Eco
Liga Cultural Afro-brasileira - LCAB
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Petróleo do RJ - SINDIPETRO/RJ



terça-feira, 10 de abril de 2012

Mais surpresas sobre o zoneamento da APA Tamoios.


Os desdobramentos dos debates sobre a nova proposta do INEA para o zoneamento da APA Tamoios, apresentado na undécima hora tem apresentado poucos ganhos. Na última reunião,  em 22/03/2012, além das nove praias da Ilha Grande a serem aquinhoadas com ZITH, mais nove foram colocadas no carrinho de compras. Aproveitando a oportunidade, a prefeitura de Angra colocou no carrinho mais 19 praias do continente, além da Gipoia.
Se antes o critério (técnico???) para a escolha das praias poderia merecer alguma atenção, mesmo que pouca, o aumento revela apenas o sorteio que se instala. Praias que tiveram negada a ZITH agora se incorporam à lista.
Outra surpresa foi atribuir ao empreendedor a responsabilidade pelo estudo de capacidade de carga de seu empreendimento, como se a raposa pudesse prometer cuidar bem do galinheiro.
A próxima reunião foi marcada para o dia 19/04/2012, em Angra dos Reis, em local ainda não definido.
Abaixo o texto assinado por nove conselheiros, lido e entregue na reunião de 22/03/2012 do conselho consultivo da APA Tamoios:

Conselho Consultivo da Área de Proteção Ambiental de Tamoios
Plano de Manejo e respectivo zoneamento

22 de março de 2012



“ O conselho é, assim, o espaço institucionalizado para engajamento da sociedade nos processos de decisão, não só nas ações de proteção da natureza, mas também – e principalmente – no planejamento e na Gestão democrática da Unidade de Conservação, transformando-se, desta forma, em um mecanismo de participação, controle social e espaço do exercício da cidadania”.
(Áreas Protegidas e Inclusão Social – 2006:45)



Primeira parte

Criada em 1986 na retomada da democracia no país, a criação da APA Tamoios veio ao encontro de demandas sociais voltadas para assegurar a proteção socioambiental em região fortemente afetada por um modelo socialmente excludente, comprovado pela ocupação - iniciada há quase meio século - do litoral angrense por condomínios de luxo, resorts e mansões, privatizando praias e desalojando comunidades tradicionais.

O seu Plano Diretor, como foi chamado na época, só foi concluído em 1994. Durante oito longos anos, técnicos do governo do estado do Rio de Janeiro e da prefeitura de Angra dos Reis juntaram seus conhecimentos e esforços e enfrentaram o desafio de consolidar nos seus planos diretores conceitos e diretrizes em uma política voltada para a conservação com fulcro nos paradigmas da sustentabilidade socioambiental sem contudo impedir o crescimento e o desenvolvimento da região. Entretanto, a lentidão dos trabalhos, afetada pelo ritmo político de então, produziu hiatos, imperfeições técnicas e contradições legais entre os Planos Diretores da APA Tamoios (estadual) e da Cidade (municipal), o que ensejou dificuldades na correta aplicação das normas legais na vida do cidadão. Tal desconformidade gerou, como era de se esperar, problemas de toda sorte.

Infelizmente, a existência de um aparato legal de proteção, mesmo que imperfeito não assegurou o avanço esperado. Combinado com a lamentável ausência do poder público na implementação da estratégia arduamente construída, ensejou ilicitudes sobejamente conhecidas e que correram o mundo. De positivo, é justo mencionar, algumas vitórias foram obtidas, com sua eficácia legal assegurada em alguns raros pontos, alguns deles na Ilha Grande. Tudo isso graças à vigilância da cidadania, mas ao custo de sofrimento e mortes, incorporados à história do município. Pode-se assim, inferir que, mal ou bem, e a despeito das agressões sofridas e das ilegalidades cometidas, porém impunes e não compensadas, a região ainda se encontra em um  razoável grau de conservação.

Em 2007, com a chegada ao poder da atual administração estadual, na qual a população angrense depositou confiança, ventos favoráveis passaram a ser sentidos. Pela primeira vez em 26 anos, a APA Tamoios ganhou uma administradora, mas só ela, sem que se pudesse assegurar um nível mínimo de governança. Ganhou também um conselho gestor, como manda a lei, e que se colocou a trabalhar, de imediato. Suas primeiras tarefas foram a elaboração de um diagnóstico da situação (Diagnóstico Rápido Participativo - DRP) e, daí decorrente, a decisão de revisar o Plano de Manejo e respectivo zoneamento, com vistas à sua atualização, e a do diploma municipal correspondente. Torná-los coerentes era mandatório. Cabe mencionar duas oportunas iniciativas voltadas para o sucesso dos trabalhos: i.) pelo estado, e no seu primeiro mês de gestão, o Grupo de Trabalho para a elaboração do Plano de Gestão Sustentável da Ilha Grande (PGSIG), fundamental para  dar rumo estratégico aos trabalhos do ordenamento territorial requerido, com quatro meses para apresentar resultados; ii.) pelo município, a comissão para elaborar proposta de lei municipal contendo as diretrizes territoriais para a Ilha Grande. A primeira ainda está  em fase de contratação e a segunda gerou a lei nº 2.088, aprovada sem emendas pelo legislativo municipal em 23/01/2009. 

Enfrentando dificuldades técnicas, operacionais, de logística e, sobretudo, políticas o Conselho Gestor da APA Tamoios esmerou-se em construir o Plano de Manejo procurando atender às diretrizes estabelecidas de comum acordo, apontadas nos diagnósticos produzidos e em vários outros trabalhos, mais adiante mencionados.

Em junho de 2009, sem nenhum aviso, sobrepondo-se ao trabalho em pleno andamento do conselho, às suas diretrizes e aos entendimentos mutuamente acertados com a SEA e o INEA, o governador Sérgio Cabral Filho assinou o decreto nº 41.921 que promovia profundas alterações nas regras do zoneamento vigente, alterações essas que permitiam a construção em áreas onde antes era vedada. A Procuradoria Geral da República (PGR), entendendo este ato como inconstitucional, teve acolhida sua representação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que gerou a ADIN 4370, que aguarda julgamento.

O decreto em tela, mais do que evidenciar o desapreço das autoridades pela atividade dos conselhos,  expôs o interesse imobiliário por áreas de grande potencial de ocupação, à semelhança do que atualmente ocorre  no litoral do continente. Instado pelo processo em curso no STF o governo do estado vem se abstendo de conceder licenciamentos para novas construções.

À época, em encontro com a então secretária do Ambiente, ficou acordado que o conselho iria continuar o seu trabalho, que nenhuma licença seria concedida com base no decreto e que, o zoneamento proposto seria imediatamente adotado, aí sim, revogando automaticamente o extemporâneo decreto. 

Com esse acordo de cavalheiros em mãos, e ao cabo de intenso trabalho, os conselheiros concluíram o zoneamento da APA Tamoios na Ilha Grande em uma internação de três dias em janeiro de 2010 no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na Vila Dois Rios, Ilha Grande. Participaram desse trabalho, como sempre, os conselheiros representantes da sociedade civil e dos poderes públicos municipal e estadual. A concordância com o resultado final foi unânime, obtida por consenso.

Seguiu-se a isso uma sucessão de idas-e-vindas, em que a cada cobrança pela continuidade dos trabalhos seguiam-se desculpas para a inação na publicação do Plano de Manejo e zoneamento, já aprovados. No ínterim, a equivocada e desastrada contratação de consultoria para sistematizar o zoneamento na área continental não só desperdiçou recursos públicos como também, e principalmente, aumentou os mal-entendidos e a desinformação, o que só fez intensificar o desconforto e a desconfiança dos conselheiros. Este mal entendido foi sanado pelo então Gerente de Unidades de Conservação de Uso Sustentável que na ocasião esclareceu que o zoneamento da Ilha Grande já se encontrava concluído pelo conselho.  Com isso, torna-se evidente o interesse do mercado imobiliário na busca por novas áreas para ocupação.

Ao longo dos anos de 2010 e 2011 os debates e as cobranças continuaram, com os interlocutores do INEA assegurando que o Plano de Manejo se encontrava em fase final de acabamento e que o texto a ser publicado seria o aprovado pelo conselho. 

Nesse sentido, em 4/8/2011, por insistência dos conselheiros, em reunião pública na sede da Secretaria Estadual do Ambiente, no Rio de Janeiro, o Sr. secretário Carlos Minc declarou alto e bom som que o Plano de Manejo da APA Tamoios já estaria aprovado e que seria publicado ao final daquele mês.

Dezoito dias depois, em 22/08/2011 naquela que foi considerada por todos a última reunião para tratar do assunto, sua versão final foi definitivamente aprovada pelo conselho, ratificando assim, no caso da Ilha Grande, a aprovação já feita em janeiro de 2010 na Vila Dois Rios, com pequenos ajustes. A minuta do decreto apresentada e detalhadamente discutida no encontro, ficou com a seguinte redação:

“................................
§ 2º – ficam definidos dois tipos de ZITS:
 
I – ZITS-1: nas ilhas, com exceção da Ilha Grande:
................................
II – ZITS-2: no continente:
.............................”

Como da vez anterior, nada aconteceu após aquela data.

Saliente-se que, em 26/08/2011, o Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho da APA Tamoios, em reunião com os titulares da Diretoria de Áreas Protegidas (DIBAP), da Gerência de Unidades de Conservação de Proteção Integral (GEPRO) e da Gerência de Unidades de Conservação de Uso Sustentável (GEUSO), viu reiterado por estes que o Plano de Manejo e seu respectivo zoneamento já se encontrava pronto, restando apenas a minuto do Decreto para ser apreciada pelo setor jurídico do INEA.

Surpreende a todos que, passados cinco anos do início formal dos trabalhos, mais de dois anos da sua conclusão democrática, pacífica, civilizada e consensual e sete meses da promessa pública do secretário Minc, período em que foi reiteradamente confirmada a chegada a bom termo dos trabalhos, marcados pelo diálogo, boa-fé e paciência dos conselheiros, vem o INEA apresentar uma diferente e radical versão para o zoneamento, em que tenta (re)introduzir formas de ocupação vigorosamente descartadas, definidas como Zonas de Interesse de Ocupação Turístico-hoteleiro (ZITH) “......destinadas para o uso e ocupação por empreendimentos turísticos.........” . A inusitada proposta do INEA é a de criar ZITH em nove praias da Ilha Grande, a saber: Araçatibinha, Ubatubinha, Tapera, Sítio Forte, Freguesia de Santana, Ponta da Raposinha, Fora, Camiranga e Iguaçu. A escolha dessas praias com base na simples consulta ao aplicativo google earth revela um erro gerencial grosseiro, por desprezar as razões para sua suposta degradação, cuja causa deveria ser investigada.

É surpreendente a alegação do estado (SEA/INEA) - somente agora declarada - de não aceitar que uma região turística, que rodeia um parque, não permita hotéis e pousadas necessárias ao desenvolvimento sustentável e saudável do parque. Ao desrespeitar o conselho e todo o seu trabalho, o INEA deixa de considerar um ponto fundamental: que a implantação de hotéis na Ilha Grande vai contra a legislação municipal e as diretrizes há muito acordadas, estrategicamente voltadas para uma atuação mais eficaz das comunidades locais na gestão do processo turístico que os afeta diretamente, com melhor e maior eficiência na distribuição da riqueza gerada (pousadas ou outras instalações de menor porte físico).


Segunda parte

 Os conselheiros signatários da presente manifestam seu desconforto e o mais veemente repúdio à proposta do INEA, por considerá-la extemporânea, desrespeitosa à cidadania e às relações de alta confiança e boa-fé mantidas por cinco anos e a um exaustivo trabalho cujo resultado pretende introduzir um salto de qualidade e uma radical inflexão – para muito melhor - nos destinos da Ilha Grande e região em seu entorno enquanto espaço natural público preservado. É inaceitável voltar a discutir pontos há muito superados pelo entendimento, aprovados por representantes dos poderes públicos estadual e municipal, integrantes do conselho, o que se também configura um desrespeito a eles.

A proposta do INEA torna-se descabida ao ir contra compromissos assumidos com base na confiança e boa-fé, muda radicalmente as diretrizes exaustivamente discutidas e aprovadas, inclusive por representantes do INEA. Enseja a concentração de renda e a exclusão social. A implantação de hotéis na Ilha Grande não irá favorecer o seu morador e poderá transformar seus núcleos populacionais em Áreas de Utilidades ou de Serviços, ou de apoio aos hotéis, com todas as implicações daí decorrentes, inclusive a destruição gradativa dos pequenos e médios empreendimentos turísticos ali implantados. É e tem sido assim no litoral sul-fluminense. Definitivamente, não foi isso o combinado em cinco anos.

A proposta do INEA não revoga o decreto 41.921. Limita-se a reformular a intenção de liberar espaços naturais para a construção de hotéis, mantendo dessa forma, o seu espírito privatista logo, excludente. 

O Plano de Gestão Sustentável da Ilha Grande, previsto para dar subsídios aos trabalhos ainda não foi contratado, o que significa menos graus de liberdade no equacionamento das opções de ocupação, e mais cautela e prevenção. A proposta do INEA fulmina um dos considerandos da Resolução SEA nº 007, de 30/01/2007, que dispõe sobre o PGSIG: “CONSIDERANDO ainda, a necessidade do estabelecimento de critérios a serem adotados, visando oferecer condições de sustentabilidade à comunidade residente da Ilha Grande, evitando desta forma a sua degradação ambiental”.

O Relatório Consolidado das Oficinas de Diagnóstico Rápido Participativo, resultado de oficinas realizadas em 2007 foi claro ao apontar soluções voltadas para atividades de menor impacto socioambiental, privilegiando o morador e seus arranjos produtivos locais.

A proposta do INEA contraria a Lei Municipal nº 2.088, de 23/01/2009 (e, por conseguinte, o Estatuto das Cidades, Lei Federal nº 10.257 de 10/07/2001), que dispõe sobre as diretrizes territoriais para a Ilha Grande, esta permeada de conceitos e diretrizes que são claros em seus objetivos:

“...............
Art. 4º - São objetivos da Lei de Diretrizes Territoriais para a Ilha Grande:
 
I - incentivar, fomentar e regular o uso e ocupação do território de modo a promover o desenvolvimento sócio-econômico em bases sustentáveis, socialmente justas e ambientalmente equilibradas;
II - contribuir para a melhoria das condições de vida da população ilhéu, promovendo a regularização fundiária, a ampliação da estrutura de saneamento básico e de serviços públicos em geral;
III - proteger o patrimônio histórico, natural e cultural da Ilha Grande;
IV - criar e manter o Sistema de Planejamento e Gestão Territorial da Ilha Grande através de um processo democrático, contínuo e participativo;
V - atender ao estabelecido pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, em especial o disposto no seu art. 2º, inciso II, promovendo o exercício da cidadania através de uma gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade ilhéu na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
 
.....................
 
Art. 31. Deverá ser vedada a implantação de empreendimentos de grande porte físico na Ilha Grande.
.......................
CAPÍTULO IV
DO TURISMO
.......................
Art. 17. O modelo de atividade turística que se pretende para a Ilha Grande deverá ser pautado nos seguintes princípios:
 
I - gestão democrática do turismo permitindo a participação das comunidades;
II - valorização da identidade cultural local;
........................
Art. 18. O planejamento turístico da Ilha Grande deverá ter como fundamento o disposto no artigo anterior e considerar as seguintes diretrizes:
...........................
IV - adotar critérios que estimulem a implantação de atividade de turismo e lazer de baixo impacto;
V - adotar critérios que estimulem preferencialmente empreendimentos turísticos de pequeno porte físico;
.........................”

A proposta ainda desmonta o artigo 5º da a Lei do Turismo (Lei Federal nº 11.771, de 17/09/2008) que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo:

“........................
 
Subseção II, Dos objetivos
Art. 5º: A Política Nacional do Turismo tem por objetivos:
 
I – democratizar e propiciar o acesso ao turismo no País a todos os segmentos populacionais, contribuindo para a elevação do bem-estar geral;
II – reduzir as disparidades sociais e econômicas de oredem regional, promovendo a inclusão social pelo crescimento da oferta de trabalho e melhor distribuição de renda;
 
..........” 

Igual malefício produz a proposta ao descumprir o compromisso internacional assumido pelo Brasil, como disposto no Decreto Federal nº 5.758, de 13/04/2006 que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas - PNAP:

“……………….
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e Considerando os compromissos assumidos pelo Brasil ao assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, em 1992, aprovada pelo Decreto Legislativo n2, de 3 de fevereiro de 1994, e promulgada pelo Decreto n2.519, de 16 de março de 1998;
 
PLANO ESTRATÉGICO NACIONAL DE ÁREAS PROTEGIDAS - PNAP
 
Dos Princípios e Diretrizes
.............................
XVII - harmonização com as políticas públicas de ordenamento territorial e desenvolvimento regional sustentável;
XVIII - pactuação e articulação das ações de estabelecimento e gestão das áreas protegidas com os diferentes segmentos da sociedade;
…………………….
XX - promoção da participação, da inclusão social e do exercício da cidadania na gestão das áreas protegidas, buscando permanentemente o desenvolvimento social, especialmente para as populações
do interior e do entorno das áreas protegidas;
XXV - fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA e dos órgãos e entidades gestores de áreas protegidas; e
XXVI - aplicação do princípio da precaução.
………………”
A proposta do INEA é descabida, carente de postura estratégica e desprovida de lógica intrínseca ao privilegiar algumas áreas em detrimento de outras eventualmente consideradas como de igual potencial de ocupação por equipamentos hoteleiros de grande porte, o que pode gerar demandas judiciais indesejáveis, pelo entendimento de que a escolha visa premiar eventuais vícios na escolha, além de perigoso precedente. Findo a atual governo, o próximo vai enfrentar um passivo de  judicialização advinda dessa equivocada decisão .

A proposta do INEA descarta o custoso trabalho desenvolvido pela empresa de consultoria Agência 21, que produziu, de forma absolutamente participativa um amplo e completo diagnóstico local. O Plano de Desenvolvimento Sustentável da Ilha Grande (PDSIG), elaborado ao longo do ano de 2008 registrou de forma clara as demandas sistematizadas por noventa empreendedores locais, duzentos moradores e vinte organizações públicas e privadas da Ilha Grande. Basta uma leitura rápida no documento para se constatar para onde a Ilha Grande deveria caminhar, oposto ao apontado pelo INEA.

No quesito econômico, o PDSIG aponta, de forma clara os cenários desejados: economia qualificada e adaptada às características do território, dinamização e integração dos arranjos produtivos locais e acumulação local de capital. (grifamos). A disseminação do conceito de eco-vilas-comunidades sustentáveis foi considerada.

Às vésperas da Rio+20 tememos pela divulgação de que a INEA se coloca contra uma decisão pró-conservação e que ainda considera como de sua atribuição a opção de estimular o turismo de grande porte em áreas com alto grau de conservação. Os conselheiros entendem que essa postura é politicamente incorreta e ambientalmente contraditória. Afinal, ao INEA não cabe agir como se fosse uma instituição turística. A persistir nessa linha, quando a Ilha Grande atingir um grau de ocupação semelhante à do continente, até a atividade turística fenecerá, quando tudo que se referir à sustentabilidade tiver sido perdida.


Terceira parte

Face ao exposto, os conselheiros da APA Tamoios que assinam o presente documento declaram não se sentir em condições de legitimar a proposta do INEA, por ser esta contrária a tudo que foi tacitamente acatado e pelo qual lutaram por cinco anos. Como cidadãos, os conselheiros não concordam em se submeter a um mandonismo que não cabe mais em suas vidas.

Certos de que a proposta oferecida, que embute em si um modelo inadequado à efetiva sustentabilidade socioambiental da Ilha Grande e de sua população, tem tudo para dar errado, os conselheiros signatários do presente documento não aprovam a proposta do INEA e fazem as seguintes proposições:

1.     Que a voz da sociedade civil ouvida e sua vontade respeitada;
2.     A manutenção do zoneamento da APA Tamoios de acordo com o aprovado pelo seu Conselho Gestor em janeiro de 2010, ratificado em agosto de 2011 e assegurado pela então secretária Marilene Ramos e pelo atual secretário Carlos Minc;
3.     A ratificação de que a Ilha Grande não terá ZITH’s em seu território;
4.     A imediata contratação de empresa com a devida competência para o desenvolvimento dos estudos de capacidade de carga da Ilha Grande, com o acompanhamento de um Grupo de Trabalho formado por membros dos conselhos do PEIG e da APA Tamoios, dentre outros, como forma de melhor conhecer a real capacidade de suporte da Ilha Grande às mudanças e que, somente após os pareceres técnicos prontos e consolidados, estabelecer um prazo acima de cinco anos para examinar os reais impactos e possibilidades de alterar o zoneamento;
5.     O imediato levantamento da situação legal de cada uma das enseadas e praias da Ilha Grande, estendendo-o ao continente, onde aplicável, para evitar injustiças, ilegalidades e privilégios, com desgaste público no trato da coisa pública;
6.     Promover, junto à prefeitura de Angra dos Reis, na forma do artigo 30 da Lei Municipal nº 2.088, a criação de grupo interdisciplinar com o objetivo de estudar caso a caso as irregularidades referentes a ocupação do território, na Ilha Grande:

“..................................
Lei Municipal nº 2.088, de 23/01/2009, que dispõe sobre a lei de diretrizes territoriais para a Ilha Grande, de acordo com o artigo 15 da lei 1.754 de 21 de dezembro de 2006.
.............................
Art. 30. O Poder Público deverá estabelecer, em conjunto com parceiros interinstitucionais das várias esferas de governo e relacionados com a gestão da ocupação do território, um grupo de trabalho com o objetivo de avaliar individualmente as ocupações desconformes implantadas previamente a esta Lei.
§1º A avaliação das ocupações desconformes deverá gerar ações cabíveis, definidas conforme cada situação individual, tendo em vista os marcos legais existentes, o interesse coletivo, o interesse social e a conservação ambiental, a fim de propor medidas corretivas que, conforme o caso, impliquem na regularização, homologação de termos de ajustamento de conduta, demolição e/ou recuperação ambiental.
......................”


Assinam a presente os seguintes conselheiros e entidades:

Comitê de defesa da Ilha Grande - Codig
Liga Cultural Afro-brasileira - LCAB
Sindipetro-RJ
Associação Curupira de Guias e Condutores de Visitantes da Ilha Grande
Grupo Ecológico de Voo da Ilha Grande - GEVIG
Associação dos Meios de Hospedagem da Ilha Grande - AMHIG
Jornal O ECO
Sociedade Angrense de Proteção Ecológica - Sapê
Instituto Ambiental da Costa Verde - IACV